Carta à RioFilme 

Rio de Janeiro, 01 de junho 2023

À RioFilme: 

Neste momento em que a indústria audiovisual retoma fôlego com a Lei Paulo Gustavo, cujos fundos, no Rio de Janeiro, estão sendo geridos pela RioFilme, vimos por meio desta reivindicar alterações nos editais postos à consulta pública, no que diz respeito às ações afirmativas para mulheres diretoras.

Consideramos um avanço que a Lei Paulo Gustavo determine, em seu artigo 17, que estados e municípios assegurem "mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de mulheres, de negros, de indígenas, de povos tradicionais, inclusive de terreiro e quilombolas, de populações nômades, de pessoas do segmento LGBTQIA+, de pessoas com deficiência e de outras minorias, por meio de cotas, critérios diferenciados de pontuação, editais específicos ou qualquer outro meio de ação afirmativa que garanta a participação e o protagonismo desses grupos". No entanto, o fato de a lei não exigir cotas em percentual para mulheres não deveria isentar a RioFilme de fazê-lo. 

É evidente o crescimento da participação feminina na direção de produções cinematográficas no município e no país. Portanto, consideramos que a indução de 2 pontos para projetos dirigidos por mulheres prevista no edital é discrepante  em comparação aos 10 pontos dados para desempenho de empresas produtoras e não reflete a realidade atual, além de não prever uma pontuação de indução para candidaturas de diretorxs e proponentes LGBTQIA+.

Não existem dados oficiais sobre os recortes raciais, etnicos e de gênero em processos de seleção da RioFilme nos últimos anos disponíveis. No entanto, com base no que foi possível levantar, podemos afirmar que apesar da linha de produção de documentário, com menos recursos, ter aparente equilíbrio entre gêneros, cerca de 75% dos projetos nas linhas de complementação de recursos de produção de longa-metragem de animação e ficção apoiados no "Programa de Fomento do Audiovisual Carioca 2022" foram dirigidos por homens, e que a distribuição de recursos foi ainda mais discrepante.

O último estudo sobre gênero na direção cinematográfica divulgado pela Ancine, em 2017, já apontava o abismo enorme entre a quantidade de filmes dirigidos por homens e por mulheres: apenas 16% dos 160 filmes lançados foram dirigidos exclusivamente por mulheres, e nenhum por uma mulher negra. A despeito de serem 53% em cursos de audiovisual e possuírem 52% dos empregos formais em produtoras de cinema, mulheres diretoras respondiam por apenas 15% das obras brasileiras veiculadas na TV, enquanto homens assinavam 79% das obras (sendo 6% com direção mista). 

Esses números, que foram os últimos divulgados pela Ancine, provam que o sistema de notas de indução previsto pelo edital está muito aquém de efetivamente garantir a inclusão de diretoras mulheres no mercado. É evidente que só é possível transformar espaços historicamente dominados por homens brancos, como é o caso do audiovisual, com ações afirmativas robustas e assertivas para a inclusão de minorias - e isso é dever do estado. 

Neste sentido, em apoio a um cinema cada vez mais feito por mulheres diversas, REIVINDICAMOS à RIOFILME que estabeleça em seus editais as seguintes regras (válidas tanto para linhas apoiadas com recursos da Lei Paulo Gustavo, quanto para linhas apoiadas por recursos próprios da Riofilme):

- 5 PONTOS de indução na 1a fase para diretoras mulheres; cumulativo com as demais pontuações de indução (pessoa negra, indígena, com deficiência, LGBTQIA+, área de Planejamento)

- MÍNIMO de 50% do total dos projetos contemplados dirigidos por mulheres;

- MÍNIMO de 40% do total dos recursos destinados a projetos dirigidos por mulheres.

Recomendamos, ainda, que haja total transparência no processo seletivo, de forma que sejam divulgados os números de projetos de diretoras mulheres inscritos e  contemplados nos editais da RioFilme; bem como a proporção na distribuição de recursos entre diretoras mulheres (cis, LGBTQIA+, negras, indígenas e PCD) e diretores homens. Entendemos que a transparência desses números é crucial para a legitimidade de processos de financiamento público e também para viabilizar a criação de políticas públicas que reflitam a realidade do mercado - independente ou comercial. 

Vale ressaltar que o fomento a filmes dirigidos por mulheres têm um efeito multiplicador no mercado audiovisual. Uma recente pesquisa norte-americana comentada na Forbes, em janeiro deste ano, concluiu que mulheres em cargos de chefia ajudam a trazer mais mulheres para a indústria. Por exemplo, em filmes com pelo menos uma diretora, 53% dos roteiristas eram mulheres, mas em filmes só com diretores homens, elas eram meros de 12%. Essa tendência se repete para outras posições: 39% de editores eram mulheres em filmes dirigidos por mulheres e 19% sob a direção de homens. Da mesma forma, 19% dos cinegrafistas eram mulheres em filmes com diretoras, mas somente 4% desses cinegrafistas eram mulheres naqueles filmes dirigidos por homens. Ter mais mulheres diretoras é a resposta para conseguirmos mais mulheres por trás das câmeras.

Atenciosamente,

Coletivo das Mulheres Diretoras do Rio de Janeiro


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