Português - 8º ANO - atividade 13
CRÔNICA LÍRICA

Sign in to Google to save your progress. Learn more
NÚMERO
NOME DO ALUNO: *
CRÔNICA: FALA, AMENDOEIRA - OUTONEAR
        Esse ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo exige que prestemos alguma atenção à natureza – essa natureza que não presta atenção em nós. Abrindo a janela matinal, o cronista deparou no firmamento, que seria de uma safira impecável se não houvesse a longa barra de névoa a toldar a linha entre céu e chão – névoa baixa e seca, hostil aos aviões. Pousou a vista, depois, nas árvores que algum remoto prefeito deu à rua, e que ainda ninguém se lembrou de arrancar, talvez porque haja outras destruições mais urgentes.  Estavam todas verdes, menos uma. Uma que, precisamente, lá está plantada em frente à porta, companheira mais chegada de um homem e sua vida, espécie de anjo vegetal proposto ao seu destino.

        Essa árvore de certo modo incorporada aos bens pessoais, alguns fios elétricos lhe atravessam a fronde, sem que a molestem, e a luz crua do projetor, a dois passos, a impediria talvez de dormir, se ela fosse mais nova. Às terças, pela manhã, o feirante nela encosta sua barraca, e, ao entardecer, cada dia, garotos procuram subir-lhe pelo tronco. Nenhum desses incômodos lhe afeta a placidez de árvore madura e magra, que já viu muita chuva, muito cortejo de casamento, muitos enterros, e serve há longos anos à necessidade de sombra que têm os amantes de rua, e mesmo a outras precisões mais humildes de cãezinhos transeuntes.

        Todas estavam ainda verdes, mas essa ostentava algumas folhas amarelas e outras já estriadas de vermelho, numa gradação fantasista que chegava mesmo até o marrom – cor final de decomposição, depois da qual as folhas caem. Pequenas amêndoas atestavam seu esforço, e também elas se preparavam para ganhar coloração dourada e, por sua vez, completado o ciclo, tombar sobre o meio-fio, se não as colhe algum moleque apreciador de seu azedinho. É como se o cronista, lhe perguntasse – Fala, amendoeira – por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:

        --- Não vês? Começo a outonear. É 21 de março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.

        --- E vais outoneando sozinha?

        --- Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno.

        --- Somos todos assim.

        --- Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.

        --- Não me entristeças.

        --- Não, querido, sou tua árvore-de-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonize com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-se com dignidade, meu velho.


(Carlos Drummond de Andrade)
Entendendo o texto:
01 – O que significam, no texto, as seguintes palavras: remoto, afetar e ostentar? *
1 point
02 – Equinócio significa: *
1 point
03 – Em “precisões mais humildes de cãezinhos transeuntes” o autor refere-se: *
1 point
04 – Destaque o item que melhor caracteriza o “ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo”, situado no primeiro parágrafo: *
1 point
05 – Quando o cronista, referindo-se à árvore escreveu “fala, amendoeira”, no terceiro parágrafo: *
1 point
06 – O trecho “frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva”, refere-se: *
1 point
07 – Ao usar a passagem “Essa árvore de certo modo incorporada aos bens pessoais”, quis o autor demonstrar: *
1 point
08 – As expressões “anjo vegetal” e “árvore-da-guarda": *
1 point
09 – Destaque o item que NÃO corresponde à crônica lida: *
1 point
10 – Qual item encerra a ideia central da mensagem, enviada pelo cronista? *
1 point
Submit
Clear form
Never submit passwords through Google Forms.
This form was created inside of SEDUC.

Does this form look suspicious? Report