Nós,
integrantes do grupo de Pesquisa, ensino e extensão “Labor Movens: Condições de
trabalho no turismo”, e demais participantes do 4º Seminário
Perspectivas Críticas Sobre o Trabalho no Turismo, realizado entre os dias 31
de agosto e 03 de setembro, no Centro de Excelência em Turismo da Universidade
de Brasília (CET/UnB), em vista dos assuntos debatidos e estudados ao longo dos
últimos anos, viemos a público nos manifestar com um chamado à ação, como se
segue:
1
O Século XXI,
em especial a última década, levantou o véu que cobria as injustiças do modo de
produção capitalista, mostrando as engrenagens de um sistema econômico baseado
na extração de mais-valor e no esgotamento dos recursos naturais para
apropriação de riqueza por poucos. O sentimento de revolta e a sublevação
social expressam a urgência de mudança antes que o já prenunciado ponto de
chegada do capitalismo se concretize. A barbárie se coloca como um chamado à
ação, clamando pelo rompimento desse fio que o modo de produção vigente impôs
para as nossas vidas. É com o ânimo revigorado de consciência de pertencimento
à uma classe vilipendiada e subjugada que agora conclamamos por uma ação
efetiva.
2
A urgência que
se nos impõe não é a urgência de um porvir ainda incerto, pelo contrário, é a
urgência do nosso destino histórico enquanto classe trabalhadora. Nós, pessoas
trabalhadoras do turismo, vivemos, em maioria, na informalidade, nos vínculos
empregatícios frágeis e na incerteza de uma renda estável e duradoura.
Trabalhamos muito, trabalhamos duramente, adoecemos física e mentalmente em
nome de um lazer que muitas vezes nos é negado. As homeopáticas doses das assim
chamadas “boas práticas” não podem e não devem ocultar a exploração e
nos afastar do nosso inadiável papel histórico.
Os diversos
abusos de nossa força de trabalho, os assédios morais e sexuais vividos, a
gritante desigualdade de gêneros, raças, etnias, origens, escolaridades, a
crescente plataformização do trabalho, a transformação mandatória de
trabalhadores em empreendedores de si mesmos, a terceirização
irrestrita, o ataque direto aos sindicatos e aos nossos direitos de livre
organização são todos sintomas de uma doença que já não podemos ignorar.
3
Não
aceitaremos mais migalhas de decência que nos são ofertadas a contragosto. É
impreterível que nos coloquemos no centro do debate. Não queremos mais apenas o
discurso e o eufemismo das palavras bonitas. Precisamos repensar o trabalho
para um mundo não capitalista. Um trabalho que nos liberte e não que nos
aprisione. Precisamos começar a construir o mundo pós-capitalista, uma vez que
não é mais uma questão de “se” o capitalismo encontrará um fim, mas “quando”
isso ocorrerá.
Liberdade e
qualidade de vida, que hoje são palavras rotineiras para uma pequena parcela de
trabalhadores, nós exigimos a todas as pessoas trabalhadoras. O mundo amplo que
se abre apenas para algumas categorias, nós exigimos a todas nós. O mundo
capitalista fez promessas que nunca quis cumprir. Nos foi prometida a liberdade
de escolha. Nos foi prometida a calma de uma vida agradável, com o trabalho
pesado executado pela tecnologia. Nos foram prometidas as artes, as ciências,
os lazeres. Nossa liberdade não é liberdade, é a prisão das escolhas que são
criadas e impostas a nós. É uma liberdade restrita ao mundo das mercadorias.
Não somos
serviçais sem qualificação, nem qualidade. Não somos descartáveis, não somos
cidadãos de segunda categoria, às quais o que resta é servir a quem goza os
direitos que nos são negados. Somos gente! Somos dignos e dignas de desfrutar
tudo que construímos. Queremos tempo de lazer, tempo de ócio, tempo livre.
Queremos igualdade de oportunidades e salários entre gênero, raça, sexualidade,
origem, idade, no trabalho. Queremos descanso entre jornadas, descanso semanal
remunerado, férias remuneradas. Queremos existir fora da informalidade.
Queremos vínculos duradouros e que garantam nossa plena participação social.
Temos direitos e queremos exercê-los.
4
O Estado, tão
presente em nossas vidas e, no entanto, tão desconhecido, nos deve! A
burguesia, que introjeta em nossas mentes o seu ideal de mundo, nos deve! Não é
reconhecido o nosso direito de participar efetivamente do Estado. Mas temos
brechas que podem ser aproveitadas, temos forças para transformar pequenos
pontos de passagem em grandes túneis. Limpamos os ambientes, servimos
bebidas à beira das piscinas, estamos nos balcões de recepção, passamos dias e
mais dias indo e voltando de praias, montanhas, clubes, meios de hospedagem,
salões de eventos, carregamos peso, trabalhamos à noite, e sorrimos. Conduzimos
pessoas em grupos, entretemos pessoas de todas as idades, vendemos produtos que
muitas vezes não conseguimos comprar, supervisionamos a nós mesmos, elaboramos
estatísticas, construímos ferramentas de gestão, ensinamos o que sabemos às
novas gerações, procuramos ser solidários. Estamos à postos e disponíveis 24/7.
Quando e como poderemos usufruir de tudo o que construímos?
O Estado nos
deve e nós exigimos a participação e a construção do nosso próprio mundo.
Queremos política de emprego e renda construídas por nós e verdadeiramente para
nós. Considerando a realidade dos trabalhadores do turismo e a sazonalidade,
conclamamos por uma Renda Básica Universal, que garanta o mínimo de
dignidade em um mundo pautado pela comoditização das necessidades básicas.
Queremos a revogação da reforma trabalhista e o fortalecimento de uma
legislação do trabalho que, de fato, nos proteja. Que haja fiscalização efetiva
e forte para acabar com o trabalho escravo e infantil. Que se coloque um fim à
superexploração que os grandes detentores do capital nos impõem através da
força e de seus aplicativos e interfaces coloridas e amigáveis. Não somos mercadoria.
5
No sistema
capitalista, nos resta a luta, e por isso a gente luta. Não buscamos nada
idealizado, nada que virá a ocorrer num futuro ainda incerto, mas sim alterar a
realidade concreta de nossas vidas hoje. Nós somos a classe filósofa que, como
assinalou Marx, enfim, cessará de interpretar o mundo para colocar em marcha as
transformações necessárias. Se somos tratados pelo sistema capitalista como
pessoas indignas, como consumidoras apenas, serviçais, servidoras, atendentes,
e que nada mais nos resta a não ser nos contentar com isso, que se ponha abaixo
esse sistema! Seja aos poucos, seja corroendo-o, enfraquecendo-o, seja
utilizando suas próprias ferramentas, mas que se ponha abaixo esse sistema!
Pois aqui
fazemos um chamado, convocamos, não a um ideal, mas a um enfrentamento e a uma
posição muito clara e concreta. Sejamos a classe crítica. Não de forma
simplesmente reformista, que busca atenuar o sofrimento. É importante que a
realidade comece a mudar e devemos agir com o objetivo de melhoras imediatas.
Sejamos a classe crítica! Contudo, como novamente nos ensina Marx, a crítica
não pode, evidentemente, substituir a luta concreta; a força material tem de
ser deposta, igualmente, por força material. Assim, a teoria crítica que aqui
nesse seminário construímos também se converte em força material, uma vez
apropriada pelas pessoas. Chamamos, então, a uma ação direta e concreta de
mudança no trabalho em turismo. Participemos da política. Façamos a política.
Em todos os nossos níveis de atuação e de influência, transformemos a
realidade.
Brasília,
02 de setembro de 2023.