37. MORTA QUE MATA(CONTO
MEIO PLAGIADO E MEIO ORIGINAL)
Um dia em que o Barreto, acabado o expediente,
palestrava com alguns dos seus colegas de repartição, queixou-se da mesquinhez
dos ordenados.
- Ora! Tu nada sofres! Acudiu um dos colegas,
com um sorriso impertinente.
- Nada sofro?! Ora esta! Por quê?!
- Porque és rico!
- Rico, eu?!...
- Naturalmente. Se não fosses rico, tua mulher
não poderia andar coberta de brilhantes!
O Barreto soltou uma gargalhada.
- Ah, meu amigo, os brilhantes de minha mulher
são falsos, são baratinhos, não valem nada!
- Não parece.
- Não parece, mas são. Minha mulher é de uma
economia feroz, e tudo quanto economiza emprega em toilettes e joias... Mas que
joias!... Falsas, falsas como Judas... Já lhe tenho dito um milhão de vezes que
se deixe disso; que não use joias uma vez que não pode usá-las verdadeiras; que
ela somente a si mesma se ilude, tornando-se ridícula aos olhos do mundo; mas
não há meio: aquilo é mania! Tirem tudo, tudo à Francina, mas deixem-lhe as
suas joias de pechisbeque!...
Realmente assim essa Francina, de vez em quando,
mostrava ao marido um par de bichas de brilhantes ou um colar de pérolas, que
produziam o mais deslumbrante efeito, mas não passavam de joias de teatro,
compradas com os vinténs que ela poupava nas despesas da copa.
Barreto, que fora sempre um pobretão, nada
entendia de pedras finas e por isso achava que as de sua mulher, apesar de
falsas, eram bonitas; mas, no íntimo, ele envergonhava-se daquela fulgurante
exibição no pescoço, nos braços, nos dedos e nas orelhas de Francina.
- Os que sabem que essas joias são
falsas, pensava ele, hão de me achar ridículo; os que as supõem verdadeiras
poderão fazer de mim um juízo ainda mais desagradável. Toda a gente sabe quanto
ganho: os meus vencimentos figuram na coleção de leis, na tabela anexa ao regulamento
da minha repartição...
O Barreto pensava bem; mas a sua
debilidade moral não permitia que ele contrariasse Francina.
Um dia o fracalhão percebeu - com
que alegria! - que ela estava no seu estado interessante.
Eram casados havia oito anos e só
agora se lembrava o céu de abençoar a sua união, mandando-lhes um filho! Ele
esperava que os cuidados maternos modificassem o que sua mulher tinha de
ridícula e vaidosa.
Mas as suas esperanças foram
cruelmente frustradas pela fatalidade: a criança, extraída a ferros, nasceu
morta, e Francina morreu de eclampsia.
O Barreto sentiu tanto, tanto, que
quase morreu também.
Havia um mês que era viúvo quando um
dia lhe apareceu em casa um homem que ele não conhecia, e se deu a conhecer
como um dos joalheiros mais conhecidos da capital.
O Barreto perguntou-lhe o motivo da
sua visita.
- É muito simples. A falecida sua
senhora tinha joias. É natural que o senhor não precisando delas pretenda
desfazer-se de algumas, senão de todas. Venho pedir-lhe que me dê a preferência.
- Preferência para quê?
- Para comprá-las.
- Mas, meu caro senhor, as joias de
minha mulher são falsas.
- Falsas? Ora essa! E é a mim que o
senhor diz isso, a mim que lhes vendi! A sua senhora seria incapaz de pôr uma
joia falsa!
- O senhor engana-se!
- Tanto não me engano, que lhe
ofereço por essas joias, se se conservam todas em seu poder, sessenta contos de
réis!
O Barreto ficou petrificado;
entretanto, disfarçou como pôde a comoção, e despediu o joalheiro, dizendo que
o procuraria na loja.
Logo que ficou só, encaminhou-se
para o quarto da morta, e abriu a cômoda onde se achavam as joias; mas ao
vê-las sentiu uma onda de sangue subir-lhe à cabeça e caiu para trás.
Quando lhe acudiram estava morto.
AZEVEDO, Artur. A
morta que mata. Domínio Público.
Disponível em: <https://bit.ly/2DKXB7Y>. Acesso em: 30 set. 2018.
Leia o trecho a seguir e assinale
apenas uma alternativa que responda à questão.
Nada sofro?! Ora esta! Por quê?!
Nesse trecho, há o uso do ponto de
interrogação seguido de uma exclamação. O efeito de sentido produzido por esse
recurso é de que o interlocutor está: