Nota Pública sobre a PEC 45/2023

Nota Pública sobre Proposta de Emenda à Constituição para Criminalizar a Posse e o Porte de Entorpecentes e Drogas afins (PEC 45/2023)


1. Introdução

Esta nota visa apresentar argumentos contrários à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende alterar o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, criminalizando a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins, independentemente da quantidade, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Atualmente organizada pelo SISNAD - Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, instituído pela Lei 11.343/06, a Política Nacional sobre Drogas é orientada para prescrever medidas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, destacando-se o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. 


Considerando a complexidade de se articular uma política sobre drogas, que inclui significativo número de programas e projetos de diversos órgãos federais, estaduais, municipais e distritais, a governança da Política Nacional de Drogas é realizada por intermédio do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (SISNAD), cuja instância máxima é o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD


Para além de política consagrada na Constituição Federal, os Conselhos atuam como espaços participativos estratégicos de participação social na reivindicação, formulação, controle e avaliação da execução sobre políticas públicas. É dizer: não é razoável que se proponha construir políticas sobre drogas sem a participação do CONAD, a quem compete, nos termos do Decreto 11.480/23, nos termos do art. 2º, VIII, “acompanhar e se manifestar sobre proposições legislativas referentes à política sobre drogas”.


Dessa forma, esta análise é conduzida sob a perspectiva de múltiplas disciplinas, incluindo direito constitucional, direito penal, criminologia, saúde pública, direitos humanos, sociologia e políticas públicas, buscando fornecer uma visão abrangente e multifacetada das implicações dessa proposta.


Portanto, esta nota técnica busca oferecer uma visão ampliada e fundamentada sobre a proposta de emenda à Constituição, considerando não apenas os aspectos legais e constitucionais, mas também as implicações mais amplas para a sociedade brasileira e para o indivíduo, dentro de um contexto global em constante evolução.


2. Análise do Artigo 5º da Constituição Federal

O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil é um pilar dos direitos e garantias fundamentais, assegurando direitos como a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão e o direito à vida e à segurança pessoal. A inclusão de um inciso que criminaliza a posse e o porte de drogas pode entrar em conflito com tais direitos inegociáveis, especialmente no que tange à liberdade individual e à privacidade.


3. Princípios Constitucionais Brasileiros

A Constituição Brasileira é baseada em princípios como dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade e segurança jurídica. A criminalização proposta pode violar esses princípios, especialmente a dignidade da pessoa humana e a liberdade, ao impor penalidades severas por comportamentos que, em muitos casos, demandam mais intervenções e suporte em áreas como Educação, Saúde, Direitos Humanos e Assistência Social, do que medidas repressivas e estigmatizantes da Segurança Pública e do Sistema Judiciário.


4. Ineficácia da Abordagem Punitiva

Estudos e experiências internacionais mostram que a criminalização do uso de drogas não conduz à redução do consumo. Políticas punitivas tendem a aumentar a violência e sobrecarregar o sistema judiciário e prisional, ao passo que não acessam profundamente as causas subjacentes do abuso de drogas. São comprovadamente mais eficazes aqueles modelos que agregam Redução de Danos, Assistência Social, Integração Comunitária e os espaços de uso assistido com atenção ao respeito aos Direitos Humanos.


5. Impacto na Saúde Pública

A criminalização pode levar a uma maior relutância em buscar ajuda médica e tratamento por medo de perseguição legal. Isso agrava os problemas de saúde pública, afastando pessoas que usam drogas do serviço de saúde e de outros atendimentos. Por outro lado, a descriminalização faz com que o estigma sobre as pessoas que usam drogas seja reduzido gradualmente e proporciona que as mesmas busquem suporte, apoio e tratamento para o abuso de drogas, bem como por outras questões de saúde, como pode ser observado no caso de Portugal, onde a descriminalização do uso de drogas reduziu o consumo de heroína e cocaína e diminuiu a incidência do HIV.


6. Violação de Direitos Humanos

A criminalização do porte de drogas para consumo pessoal é uma violação dos direitos humanos, especialmente o direito à privacidade e autonomia pessoal. Organizações internacionais de direitos humanos têm criticado políticas que punem pessoas que usam drogas.

Nacionalmente há, ainda, uma opinião majoritária das organizações alinhadas a ciência, dos movimentos sociais e do Supremo Tribunal Federal em torno da RE 635659 pela descriminalização do uso de drogas, entendendo que a criminalização das pessoas que usam drogas provocam mais prejuízos do que o uso de drogas em si. A guerra às drogas consiste, atualmente, na maior violação dos direitos humanos, uma vez que impacta usuários e não usuários de substâncias psicoativas com a violência gerada pelo suposto combate ao narcotráfico, sendo desproporcionalmente LETAL para a população negra e de favelas.

Ao mesmo tempo que boas políticas regulatórias para as bebidas alcoólicas se fazem necessárias, na medida em que é consenso que a proibição do consumo do álcool, embora nocivo à sociedade e aos indivíduos que consomem de maneira abusiva, não são normatizados, especialmente no que tange a cadeia produtiva. O mesmo raciocínio se aplica ao tabaco e seus produtos derivados.


7. Impacto Social e Econômico

A criminalização tem um impacto desproporcional em comunidades marginalizadas e pobres, exacerbando as desigualdades sociais e econômicas. O encarceramento de pessoas que usam drogas por crimes não violentos sobrecarrega os sistemas prisionais e gera custos significativos para o Estado. Além de se tornarem um terreno fértil para recrutamento de facções do crime organizado. Quanto mais gente no sistema prisional, maior o fortalecimento do crime.


8. Evidências de Abordagens Alternativas

Modelos alternativos de abordagem ao uso de drogas, como a descriminalização e a regulamentação, têm mostrado resultados positivos em diversos países. Essas abordagens focam na prevenção/educação, tratamento e redução de riscos e danos.


9. Análise Comparativa Internacional

Examinando modelos internacionais, observa-se que países que adotaram políticas de descriminalização ou regulamentação do uso de drogas, como Portugal e alguns estados dos EUA, registraram reduções significativas em problemas relacionados ao uso de drogas, incluindo a diminuição de overdoses, a redução da transmissão de doenças como HIV/AIDS e a diminuição da criminalidade relacionada às drogas.


10. Necessidade de Políticas Baseadas em Evidências Científicas

É crucial que as políticas de drogas sejam baseadas em evidências científicas e melhores práticas internacionais, focando em saúde pública, prevenção, tratamento e redução de riscos e danos, ao invés de abordagens puramente punitivas. Focando no sufocamento das estruturas criminosas que corrompem o funcionamento das instituições democráticas.


11. Conclusão

A proposta de emenda à Constituição para criminalizar a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins não é a abordagem mais eficaz e democrática para lidar com o problema do abuso de drogas. Políticas baseadas em evidências, que enfatizem a saúde pública, os direitos humanos e a redução de riscos e danos, podem oferecer soluções mais sustentáveis e humanitárias para este desafio complexo.

Na busca por caminhos democráticos e de fortalecimento de direitos, as organizações e personas subscritas abaixo, solicitam aos senadores a suspensão da tramitação da PEC 45/2023 e convida o Senado Brasileiro a buscar um alinhamento com as tendências de outros países do mundo que têm revisto suas legislações sobre drogas e buscado alternativas pautadas em garantia de direitos, cuidado em liberdade.


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