Rede Alerta contra Desertos Verdes: Carta Aberta à Procuradoria Geral da República - O Estado e a Aracruz Celulose precisam ser responsabilizados!

A Rede Alerta contra Desertos Verdes convoca parceiros e outras organizações para assinar a Carta Aberta à Procuradoria Geral da República sobre a responsabilidade da empresa Aracruz Celulose por violações de direitos durante a Ditadura

Reforçamos a importância da abertura de um inquérito pelo Ministério Público dando sequência à pesquisa realizada nos últimos dois anos. Manifestamos nosso profundo interesse nos desdobramentos da investigação das violações de direitos dos povos originários Tupinikim e Guarani (do Município de Aracruz/ES), das comunidades quilombolas do Sapê do Norte (dos Municípios de São Mateus e Conceição da Barra/ES) e dos trabalhadores da empresa, residentes no bairro-empresa Coqueiral de Aracruz, operadas pelo Grupo Aracruz Celulose S/A, durante o período da ditadura empresarial-militar brasileira (1964-1985).

No marco do edital “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, coordenado pelo CAAF/Unifesp, financiado pelo Ministério Público Federal, com recursos provenientes do TAC Volkswagen, e, para que a carta seja entregue durante o I Seminário Ditadura, Empresas e Violações de Direitos em conjunto com o IV Encontro Internacional da Rede de Processos Repressivos, Empresas, Trabalhadores(es) e Sindicatos da América Latina em São Paulo na próxima semana, temos como PRAZO PARA ADESÕES: SEXTA-FEIRA dia 02.06.2023.

LEIA A CARTA ABAIXO E ASSINE:

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Carta Aberta à Procuradoria Geral da República

05 de Junho de 2023.


“Ah moço, essa memória, da Aracruz, isso a gente nunca esquece.” (Filme Cruzando o Deserto Verde)

 

Srs. e Sras. Vossas Senhorias, Procuradores da República.

Saudações fraternas da Rede Alerta contra Desertos Verdes e demais signatários.

 

Consideramos valiosa a mobilização do Ministério Público e de fundamental importância o Edital “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, coordenado pelo CAAF/Unifesp, financiado pelo Ministério Público Federal, com recursos provenientes do TAC Volkswagen.

Neste sentido, temos profundo interesse nos desdobramentos da pesquisa que investiga as violações de direitos dos povos originários Tupinikim e Guarani (do Município de Aracruz/ES), das comunidades quilombolas do Sapê do Norte (dos Municípios de São Mateus e Conceição da Barra/ES) e dos trabalhadores da empresa, residentes no bairro-empresa Coqueiral de Aracruz, operadas pelo Grupo Aracruz Celulose S/A, durante o período da ditadura empresarial-militar brasileira (1964-1985).

Para nós, signatários, o Estado e a Aracruz Celulose precisam ser responsabilizados por seus crimes e violações de direitos durante a ditadura militar.  Mais de 50 anos depois, esses crimes seguem vivos e buscam apagar seus rastros históricos e seus nexos profundos com o Estado. Seus responsáveis precisam ser julgados e a história divulgada para que esse modo de governar e seus responsáveis sejam entendidos, na nossa história, como abomináveis. A trágica memória precisa ser simbolizada e cultivada para educação democrática da sociedade brasileira. Esses crimes não podem prescrever! 

Sobretudo os povos tradicionais indígenas e quilombolas, os trabalhadores e trabalhadoras do complexo, as comunidades vizinhas das fábricas e do plantio, toda essa gente violentada, expulsa de seus territórios, acidentada, contaminada e agredida, toda essa gente precisa ser reparada! Tal como a Mata Atlântica, devastada pelo Deserto Verde.

Depois de 2 anos de investigações, verificou-se que o Grupo Aracruz Celulose S/A criado, em 1967, surge como resultado das políticas de fomento ao setor energético e industrial, a partir do golpe empresarial-militar de 1964. Os incentivos para a instalação da empresa ocorreram por meio de vários benefícios criados pelo governo ditatorial, desde as inovações oriundas das novas legislações até a criação de um aparato administrativo e institucional. Os beneficiados com este projeto eram vinculados ao governo ditatorial, e muitos deles possuíam cargos públicos em seu alto escalão.  Aracruz Celulose foi um PRODUTO deste governo.  Para isso, os governos ditatoriais não pouparam recursos.

As pesquisas apontaram que o Grupo Aracruz Celulose foi altamente beneficiado com as políticas do BNDES para o setor de celulose. Uma das contrapartidas utilizadas para a liberação desses empréstimos foi a garantia hipotecária das terras dos indígenas e quilombolas, consideradas devolutas pela ditadura. Observou-se também irregularidades nas titularidades dessas terras, conforme o Relatório produzido pela ONG FASE (2002). Esse fato já motivou duas Ações Civis Públicas contra a empresa. 

Embora não reconhecesse a existência dos Tupinikim e Guarani, do Município de Aracruz, no ano de 1972, na vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5 - 1968 - 1978), a FUNAI - um dos braços do Estado ditatorial, agilizou a desocupação territorial desses indígenas, inclusive, menores de idade, levando-os compulsoriamente de Aracruz para a Fazenda Guarani[1], a fim de facilitar o esbulho de suas terras. Durante este período, a luta dos indígenas pela retomada das suas terras foi desarticulada e coincide com o período de expansão territorial da empresa na região. Neste presídio, os indígenas foram submetidos a condições precárias de vida, trabalho forçado, tortura, espancamento e morte. 

Além disso, com o avanço do eucalipto, os indígenas perderam grande parte de suas terras, o que provocou a morte social de aproximadamente 37 aldeias (hoje existem 12 aldeias), afetando drasticamente seus direitos de “praticar e revitalizar suas tradições e costumes culturais”, conforme determina a Carta da ONU sobre os direitos dos povos indígenas (2008, p. 9). 

No início da década de 1970, período em que o terrorismo de Estado se torna ostensivo, a empresa expandiu seus domínios para os Municípios de São Mateus e Conceição da Barra, expulsando as comunidades quilombolas do Sapê do Norte, que viviam de modo tradicional na região.  O resultado dessa política foi a tentativa de sua morte social e a impossibilidade de preservar as suas manifestações culturais e as suas tradições. Segundo o site Mapa de Conflitos, da FIOCRUZ, “originalmente, o território quilombola de Sapê do Norte ocupava uma extensa área entre os atuais municípios de São Mateus e Conceição da Barra e era o lar de cerca de 12 mil famílias, distribuídas por mais de 100 comunidades”. Hoje, são 32 comunidades (reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares), por volta de 1500 famílias.

Há indicações de que Aracruz Celulose utilizou-se da repressão do regime para perseguir trabalhadores e líderes sindicais, e de que as condições de trabalho ensejavam desrespeito aos direitos laborais, com trabalhadores mutilados, contaminados, oprimidos, perseguidos e explorados. Além disso, indica-se que a empresa se utilizou de práticas antissindicais, como demissões em massa de trabalhadores que participavam de movimentos grevistas. Há relatos de trabalho escravizado operado por esta transnacional, neste município. 

Os governos locais, escolhidos indiretamente pelos militares golpistas, participaram ativamente nas políticas de incentivo a essa transnacional do agronegócio da celulose, recorrendo ao um forte aparato repressivo sobre as comunidades indígenas e quilombolas, com a finalidade de promover o esbulho de suas terras. Agiam também violentamente contra as lutas dos trabalhadores. 

A destruição ambiental é um outro ponto atribuído às plantações de eucalipto e à fabricação de celulose. A região vive um grave risco de desertificação do território, o que impede a reprodução física, cultural e econômica dos povos originários e das comunidades tradicionais, podendo ser caracterizado como racismo ambiental; a Mata Atlântica da região foi destruída pelos correntões e substituída por uma extensa plantação de monocultura eucalipto (espécie exótica, oriunda da Europa), o que causou o desequilíbrio na cadeia alimentar dos animais e no modo de vida das comunidades que ali viviam, além da destruição da fauna e da flora, causando a perda de diversidade genética, a destruição da biodiversidade afetando diretamente o ecossistema e, provocando insegurança alimentar e nutricional. A plantação da monocultura de eucalipto requer uma grande quantidade de água, provocando o esgotamento dos lençóis freáticos, consequentemente, grande parte dos córregos, rios, açudes e mangues secou; o que restou, está contaminado pela utilização e o despejo de venenos e materiais poluentes[2].

Essa transnacional do agronegócio do eucalipto ocupa uma extensão territorial de mais de 200 mil hectares, que se estende do Norte do Espírito Santo até o Sul da Bahia. Em 2008, essa empresa uniu-se ao Grupo Votorantim e outras empresas, formando a Fibria. Em 2018, o Grupo Suzano S/A comprou a Fibria. O Grupo Suzano S/A é a maior produtora mundial de celulose de eucalipto, com vários escritórios comerciais no exterior: Argentina, Inglaterra, Suíça, EUA e China. Seu lucro líquido em 2022 foi R$ 22,56 bilhões, 20% superior ao ganho visto um ano antes[3].

Para nós, signatários, é urgente e absolutamente necessário que o Ministério Público Federal abra um inquérito abrangente, que aprofunde as pesquisas já realizadas, que visite os territórios e escute as testemunhas, as organizações representativas dos povos tradicionais, trabalhadores e comunidades de seu entorno, que consulte pesquisadores e a sociedade civil, que sistematize as evidências e indícios, que investigue os crimes e violações de direitos relacionados à Aracruz Celulose, em sua relação direta com a ditadura empresarial-militar (1964/1984), no Norte do Espírito Santo.


[1] Conhecida também como Presídio Guarani, é citada pela Comissão Nacional da Verdade (2014, vol. II: 245), que “reconhece, no Reformatório Krenak e na Fazenda Guarani (que o sucedeu), a sua abrangência nacional quanto à função de prisão de índios rebeldes, encarcerando indígenas de 23 etnias”.

[3] Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/02/28/lucro-liquido-da-suzano-mais-que-triplica-no-4o-trimestre-e-vai-a-r-746-bi.ghtml , consultado em 05/04/2023.


Assinam esta carta:

Rede Alerta contra Desertos Verdes
Comissão de Caciques Tupinikim e Guarani/ES
Comissão Quilombola Sapê do Norte
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
Grupo Tortura Nunca Mais/RJ (GTNM/RJ)
Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo (COEQ)

E as demais entidades que irão preencher o formulário e serão incluídas após o fechamento das inscrições.

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