Carta Aberta em defesa das Lagoas do Guandu

No princípio Deus criou os céus e a terra.
Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo,
e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
(Gênesis 1:1-2)


Tudo está interligado
(Encíclica Laudato si)


Estamos enviando esta carta com o objetivo de alertá-lo para a dimensão espiritual de nossas ações com relação a natureza e lembrá-lo de algumas preocupações importantes.


É compromisso de todo o cristão defender a vida e estar do lado da justiça. Por defender a vida se compreender nas palavras da Encíclica Laudato Si, como proteger toda a criação toda obra sagrada na Terra. Por estar ao lado da justiça lutar pelos menos favorecidos, pelos invisíveis, pelos que não se é dado voz ou pelos que, por diversos motivos, sequer podem falar. Estar do lado da justiça é defender a moral e a ética. Essas defesas devem sempre existir mesmo colidindo com os interesses dos poderosos.


O meio ambiente é a seara mais sensível à justiça no século XXI. Tanto porque os ricos e poderosos destruíram o meio ambiente e continuam a destruir para suas sobre acumulações de riqueza, quanto pelo fato de bilhões de pessoas pobres só terem a terra, a água e o ar para sobreviverem. Alguns nem essas dádivas intangíveis conferidas por Deus podem usufruir.


Todas as vezes que é negado a pessoas carentes, a seres humanos, a animais e vegetais, a água e o ar puros, está se cometendo um crime contra a vida e contra Deus que devemos nos opor e denunciar abertamente.


Todas as vezes que se destrói a terra, o ar e a água, se está pondo em risco a Criação, a obra conferida por Deus para nós cuidarmos e permitirmos florescer. Esse é imenso pecado sobre o qual todo cristão deve exercer seu papel profético de anunciar e denunciar. Mesmo no nível local esse crime contra a criação não deve passar pelos nossos olhos com complacência e condescendência. O cristão que se omite também sacrifica inocentes.


Acompanhamos a crise da água da Bacia do Rio Guandu, onde é captada água para tratar e se distribuir a 9 milhões de pessoas. Essa água é extremamente poluída e imprópria para o consumo. Conforme declaração da própria empresa que trata a água retirada desse manancial, a cada 100 litros dessa água apenas 4 são liberados potabilizados ao final do processo. Apesar desse esforço heróico para se potabilizar a água retirada do Rio Guandu, há limites a respeito de até que ponto as técnicas de tratamento podem depurar uma água poluída.


Mas essa água não é poluída por fatores naturais como vulcões ou salinização, é poluída por fatores humanos, e não por fatores humanos legítimos, mas por poluição das indústrias e por omissão das autoridades em relação a essa poluição.


Como forma de se proteger da poluição a água captada para o abastecimento de 9 milhões de pessoas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Companhia Estadual de Água (CEDAE) com apoio do órgão fiscalizador (INEA) e do órgão gestor da Bacia do Rio Guandu (Comitê Guandu), resolveu artificializar o curso de 4 afluentes do Rio Guandu e bloquear a troca de água nas lagoas onde desaguam esses afluentes, uma obra orçada em 130 milhões. Ou seja, um dique com uma transposição qualificados como obra de proteção à tomada d’água.


Como se tudo isso já não fosse suficiente ainda tem o fato relevante que atualmente na lagoa onde deságuam 4 afluentes do Rio Guandu, lagoa essa que desemboca ao final no Rio Guandu, há mais de 50 famílias de pescadores e, no entorno, há mais de 200 famílias de agricultores. Todos já vêm perdendo seu sustento e sua dignidade com a poluição da natureza local.


A tamanha insegurança, falta de estudo e de transparência da obra ameaça ainda mais esses trabalhadores, visto que atualmente a interação entre a lagoa e o Rio Guandu dilui a poluição.


Evitar que se misturem ao Rio Guandu as águas dos Rios Poços, Queimados, Ipiranga e Cabuçu não impedirá a contaminação das águas de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro por dejetos industriais vindos das indústrias que margeiam o Rio Guandu ou o Rio Paraíba do Sul.


Tampar as águas dos Rios Poços, Queimados, Ipiranga e Cabuçu impedirá que esses rios abasteçam o Rio de Janeiro em situações de escassez hídrica do Rio Paraíba do Sul.


Artificializar os rios nada resolve, só causa problemas, sendo uma tendência inversa à tendência internacional ou mesmo local. Parte da região metropolitana do Rio de Janeiro é abastecida pelas águas puríssimas do Ribeirão das Lages. Cuidar dos rios não apenas barateia o tratamento como é uma questão de saúde pública considerando o limite existente nos procedimentos de potabilização da água como reconhecido na PORTARIA GM/MS Nº 888, DE 4 DE MAIO DE 2021, do Ministério da Saúde.


Essa poluição sequer deveria chegar ao local, quem está permitindo a poluição e quem está causando deve corrigir seu comportamento sob pena de destruir a natureza e a dignidade de centenas de trabalhadores.


Por isso contamos com a sua compreensão e mobilização no sentido de revertermos esse quadro.


Tudo isso seria desnecessário caso se tratasse dos rios da bacia com cuidado e caso fossem cumpridas as leis. A omissão das autoridades é tamanha que não sabem sequer explicar e trazer dados sólidos a respeito da poluição dos rios do Rio Guandu e de seus afluentes e da segurança da obra.


Urge que as autoridades responsáveis tratem com cuidado dos Rio da Bacia do Rio Guandu para afastar outra crise como a crise da geosmina e a necessidade de qualquer obra ainda mais artificializante.


Que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu determine o enquadramento de classe especial ou classe 01 a todos os cursos d’água a montante (antes) da captação de água para o consumo humano, que o Instituto Estadual do Ambiente e as prefeituras adequem as licenças ambientais exigindo das indústrias proteção segura contra riscos de vazamento, que o Instituto Estadual do Ambiente e as prefeituras fiscalizem e punam como determina a lei todos os lançamentos de material tóxico, efluentes e esgotos e que a Cedae exija dessas autoridades a sanidade e pureza dos mananciais inclusive como forma de baratear seus custos operacionais de tratamento e repassar essa diminuição de custos à população através de tarifas módicas e justas.

 
Cordialmente,

 
Articulação das Pastorais da Ecologia Integral do Brasil

Conselho Pastoral dos Pescadores da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

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