Carolina Maria de Jesus merece estar na sala de visitas!
São Paulo, 19 de fevereiro de 2022.
Carolina Maria de Jesus é uma das mais importantes escritoras do Brasil. “É” porque sua morte não encerrou sua obra. Nascida em 14 de março de 1914 em Sacramento-MG, migrou muito jovem para São Paulo após a morte da mãe e construiu seu barraco na extinta favela do Canindé, zona norte da cidade. Sobreviveu como catadora de papéis e trabalhou também como doméstica. Nas casas de patrão fazia suas leituras e nos papéis do lixo escrevia seus diários, onde registrava seu cotidiano e da comunidade que vivia. Seu primeiro livro publicado intitulado Quarto de Despejo vendeu mais de 1 milhão de cópias, foi traduzido para 14 idiomas e vendido em mais de 40 países. Foi apenas o começo de uma obra que foi, é e ainda precisa ser estudada. Com o pouco ganho que teve, Carolina conseguiu construir sua casa em Parelheiros e foi onde viveu com os 3 filhos até sua morte aos 62 anos.
A partir da manifestação incendiária à estátua do Borba Gato em Santo Amaro, a Prefeitura de São Paulo anunciou em agosto/2021 a produção e instalação de alguns monumentos de personalidades negras, dentre elas, a escultura de Carolina Maria de Jesus em Parelheiros. Mas estamos negativamente surpresos com a escolha do local pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, onde ficou decidida a instalação da escultura no Parque Linear Parelheiros com o aval do “núcleo periférico” dentro da Secretaria. Acontece que desconhecemos esse núcleo, nenhum coletivo ou movimento cultural do território faz parte desse núcleo, e se não fosse a nossa mobilização pessoal não seríamos ao menos comunicados sobre a celebração de inauguração, uma vez que nem mesmo o Subprefeito do distrito estava ciente sobre o evento.
O Parque Linear que foi o local escolhido para a escultura, tem sim a sua importância para o bairro, mas não é um local movimentado e nem de grande visibilidade, o que dificultaria inclusive a preservação da obra perante atos de depredação. Entendemos que mais uma vez Carolina estaria sendo instalada no “quarto de despejo”, e mesmo diante do descontentamento dos familiares ao serem informados sobre o local, não aceitamos nenhum motivo para que a escultura não seja instalada na Praça Júlio César de Campos, local onde está a Paróquia de Santa Cruz e o monumento de marco do centenário da Paróquia; que fica na região central de Parelheiros, importante ponto turístico e histórico dentro do Polo de Ecoturismo de SP e que por muito tempo foi o palco de festas tradicionais da região (como por exemplo, a Festa de Santa Cruz e de aniversário do bairro). A Praça Júlio César de Campos também é um local cercado por comércios e têm grande circulação de pessoas, já que é o ponto de acesso para os bairros adjacentes, tanto no sentido da Cratera da Colônia, como do distrito de Marsilac, e do município de Embu Guaçu, cidade onde Carolina foi sepultada; e também está próximo a Casa de Cultura de Parelheiros.
O racismo estrutural, produz o apagamento da história negra no processo de construção das cidades. Em São Paulo, temos apenas 3% de esculturas e monumentos dedicados a homenagear a cultura ou personalidades negras e, dentre elas, somente uma, representa a mulher negra – “Mãe Preta” (ama de leite) no Centro de São Paulo. Historicamente, a presença negra no espaço público é estigmatizada e marcada por sub-representação.
No distrito de Parelheiros, extremo Sul de São Paulo, não há esculturas ou monumentos e, diante da historiografia local, que minimiza a presença negra, a escultura de Carolina Maria de Jesus, rememora e afirma patrimônio e identidade negra no distrito.
Em tempos de abandono e fome, a imagem e obra de Carolina produz representatividade e evidencia as principais necessidades do povo. Além disso, memória, identidade e patrimônio caminham juntos, estamos neste momento fazendo história, isto significa que, o processo de curadoria da instalação da escultura é um registro do Brasil que temos e da salvaguarda da Literatura brasileira. Não podemos permitir que o primeiro monumento em homenagem à Carolina NO MUNDO, não esteja em sua devida visibilidade.
E ainda que seja uma argumentação concisa e suficiente, esta carta está respaldada pelo desejo de Vera Eunice, filha da Carolina, que nos afirma com precisão: “Fazemos questão que seja em Parelheiros! Minha mãe amava Parelheiros, aqui foi feliz, se benzeu e benzeu esse chão, participava das festas tradicionais, ia ao cinema mudo e entregou o meu diploma na Escola Prisciliana”.
QUEREMOS CAROLINA NA SALA DE VISITAS!
Nós, coletivos culturais, artistas locais e articuladores sociais do território de Parelheiros, junto aos familiares e pessoas que entendem a importância da obra e da trajetória de Carolina, viemos através desta manifestar o nosso descontentamento em relação ao local escolhido para abrigar a escultura que está sendo produzida em homenagem à escritora. Reivindicamos a instalação da estátua de Carolina Maria de Jesus na Praça Júlio César de Campos, no Centro de Parelheiros e também a participação dos agentes locais na construção do evento de inauguração do monumento.
Carolina vive, e sua luta persiste, e aqui estamos apenas como pessoas que reivindicam o local, a data e a festa que ela merece ter.